Hoje em conversa com
uma colega recordei-me de um professor de português dos tempos de liceu. Ele era uma
personagem, devia ter quarenta e poucos anos, não muito alto, moreno de cabelo
escuro, tinha quase sempre barba de três dias, um homem bastante atraente.
Dava aulas à noite e por algum motivo tinha sido obrigado a ficar com uma turma
de 11ºAno. Fez questão de dizer que não gostava de dar aulas durante o dia.
A maior parte dos
meus colegas não gostava das aulas dele mas eu adorava. Gostava de o ouvir a
ler, tinha uma voz das que não se consegue deixar de ouvir. Adora ouvi-lo falar
e gesticular, tinha umas mãos bonitas.
Quase todos os
miúdos desenvolvem uma paixão secreta por um professor e ele era a minha.
Talvez tenha tido um ou outro pensamento maroto.
As minhas aulas
preferidas eram as dele, o que era de estranhar em mim já que nunca tinha
gostado de humanidades. Fez com que eu começasse a ler mais e só por isso as
aulas valeram a pena.
Um dia ele contou
uma história, dos tempos de faculdade em Coimbra. Claro que eu ouvi com a
máxima atenção. Parecia que ele estava só a falar para mim, embora a sala
estivesse cheia de miúdos parvos com acne. Na faculdade ele teve uma colega que
tinha o rosto tão perfeito que até irritava, de tão perfeita que era tornava-se
feia, não tinha namorado. Ao que parece teve um acidente de carro e fez um
corte enorme de um dos lados da cara. Ficou com uma cicatriz muito pronunciada.
O professor perguntou se alguém sabia o que tinha acontecido, ninguém respondeu
a não ser eu que disse: 'Ela ficou bonita…'
e ele perguntou-me porquê e a minha resposta foi 'A imperfeição da
cicatriz na perfeição do rosto dela, fez com que a beleza se tornasse mais
evidente'. Ele sorriu e disse que era mesmo aquilo que eu tinha dito, disse
também que ela passou a ter montes de pretendentes. Tive a sensação de que deu
o resto da aula só para mim, senti-me importante e foi tema de conversas no
intervalo. Na aula seguinte não me ligou nenhuma.
Esta história fez-me
pensar que se calhar o ser perfeita não é assim tão bom e importante. Se ando à
procura da perfeição esse talvez não seja o caminho certo, mas posso sempre
tentar ser menos feia, menos gorda e menos má.