Translate

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O meu professor de liceu

Hoje em conversa com uma colega recordei-me de um professor de português dos tempos de liceu. Ele era uma personagem, devia ter quarenta e poucos anos, não muito alto, moreno de cabelo escuro, tinha quase sempre barba de três dias, um homem bastante atraente. Dava aulas à noite e por algum motivo tinha sido obrigado a ficar com uma turma de 11ºAno. Fez questão de dizer que não gostava de dar aulas durante o dia.
 
A maior parte dos meus colegas não gostava das aulas dele mas eu adorava. Gostava de o ouvir a ler, tinha uma voz das que não se consegue deixar de ouvir. Adora ouvi-lo falar e gesticular, tinha umas mãos bonitas.
 
Quase todos os miúdos desenvolvem uma paixão secreta por um professor e ele era a minha. Talvez tenha tido um ou outro pensamento maroto.
As minhas aulas preferidas eram as dele, o que era de estranhar em mim já que nunca tinha gostado de humanidades. Fez com que eu começasse a ler mais e só por isso as aulas valeram a pena.
Um dia ele contou uma história, dos tempos de faculdade em Coimbra. Claro que eu ouvi com a máxima atenção. Parecia que ele estava só a falar para mim, embora a sala estivesse cheia de miúdos parvos com acne. Na faculdade ele teve uma colega que tinha o rosto tão perfeito que até irritava, de tão perfeita que era tornava-se feia, não tinha namorado. Ao que parece teve um acidente de carro e fez um corte enorme de um dos lados da cara. Ficou com uma cicatriz muito pronunciada. O professor perguntou se alguém sabia o que tinha acontecido, ninguém respondeu a não ser eu que disse: 'Ela ficou bonita…'  e ele perguntou-me porquê e a minha resposta foi 'A imperfeição da cicatriz na perfeição do rosto dela, fez com que a beleza se tornasse mais evidente'. Ele sorriu e disse que era mesmo aquilo que eu tinha dito, disse também que ela passou a ter montes de pretendentes. Tive a sensação de que deu o resto da aula só para mim, senti-me importante e foi tema de conversas no intervalo. Na aula seguinte não me ligou nenhuma.
 
Esta história fez-me pensar que se calhar o ser perfeita não é assim tão bom e importante. Se ando à procura da perfeição esse talvez não seja o caminho certo, mas posso sempre tentar ser menos feia, menos gorda e menos má.

3 comentários:

  1. Adorei!! Nesta história reside muita verdade :) Obrigada pela partilha!

    ResponderEliminar
  2. Esta história faz-nos pensar muito na nossa busca insana pela perfeição, mas também acredito que é essa busca nos pode trazer bem estar desde q a haja limites, desde que aceitemos algumas das nossas imperfeições. Obrigada pela reflexão.

    ResponderEliminar
  3. Tem sido para mim como uma sessão de psicanálise cada post deste blog.
    Mas este arrepiou-me particularmente. A perfeição torna-nos menos humanos, os nossos (pequenos) defeitos tornam-nos únicos.
    Quanto ao professor, também devia estar apaixonadissímo, mas se andavas no 11º era crime, por isso...

    ResponderEliminar